17 de janeiro de 2012

Rasgando a película


A ORIGEM

*spoilers

O que vale a pena? Fazer muito bem aquilo que se sabe fazer, ou viver em paz? Don Cobb (Leonardo DiCaprio) é um ladrão que rouba segredos industriais nos sonhos dos executivos. Cobb é contratado por Saito (Ken Waitanabe) para fazer o inverso: implantar uma ideia, e não roubar. Trabalho quase impossível, Cobb precisa entrar em três níveis de "sonhos" na mente de Robert Fischer (Cillian Murphy). e lá, implantar a idéia na forma "mais simples possível". Cobb monta sua equipe, e todos se preparam... mas Cobb está cada vez mais confuso sobre o que é realidade ou não, e para piorar, a projeção de sua falecida esposa, Mal (Marion Cottilard), busca matá-los na realidade dos sonhos, e quanto mais profundo Cobb entra na mente, mais perigosa fica a situação para todos...

Nesse novo filme, Christopher Nolan não apenas quer deslumbrar o espectador com visões de uma cidade dobrando-se sobre si mesma, e lutas ocorrendo na ausência de gravidade, mas também deseja contar uma história incrivelmente complexa, transformando isso num valor em si. Para começar, a ideia de roubo nos sonhos é tão bem explicada, e seus desdobramentos são tão bem explorados, que é preciso uma imensa concentração para não se perder na história. Nolan, aqui, busca um caminho bastante diferente daquele que vimos em Cidades dos sonhos, filme que também explora a ideia de um... sonho (dã). David Lynch não faz a menor questão de explicar o que está ocorrendo, deixando isso a interpretação do que ocorre para o espectador. 

Já Nolan d eixa tudo muito bem detalhado. Exemplo: Por que Mal ameaçaria atirar na cabeça de Arthur (Joseph Gordon-Levitt), se ambos sabiam que ele não morreria? Apenas para Cobb explicar a regra de que morrer no sonho apenas o acordaria. E por que ele explicaria esse detalhe se todos os personagens sabiam disso? Para explicar ao espectador, que não sabia. E é assim o filme inteiro. Mesmo com tantas falas expositivas, como conheceríamos as regras do jogo sem elas? A Origem, creio, tem material para várias continuações. É interessante perceber como fatores "externos" influenciam no universo dos sonhos. A vontade de urinar numa realidade cria uma chuva em outra; a queda de um carro numa realidade tira a gravidade de outra... O universo do sonho, apesar disso, está bem longe de um pesadelo ou das maluquices. O "arquiteto" é o responsável para criar um lugar para que o sonhador acredite estar numa realidade. E as lutas de Arthur no corredor de um hotel e o clímax do filme, com cinco níveis de realidade se confrontando, são impressionantes.

Também percebemos nesse filme algo que há praticamente em toda filmografia de Nolan (não sei deFollowing): o quanto melhor você é no seu trabalho, mais isso te custa. Foi o que ocorreu com Cobb: sua obsessão em ir cada vez mais fundo nos seus sonhos o fez, ele e sua esposa, a perderem-se nesse universo. Cobb, para fugir do sonho no qual estava aprisionado, precisou inserir uma idéia na mente de sua esposa. A consequência foi a morte dela na vida real. Acusado de assassinato, Cobb foge e nunca mais vê seus filhos, mas continua trabalhando, porque é o melhor...

E temos, claro, o pião rodando na cena final que coloca em dúvida TODO o filme que acabamos de assistir.Na cena final, para saber que não está num sonho, Cobb roda o pião (seu totem) mas corre para seus filhos, que nunca mais viu, e não percebe que seu pião ainda não parou de girar. E então o filme acaba. Absolutamente tudo aquilo que assistimos era um sonho, ou ele conseguiu voltar para a realidade? Não sabemos. Mas as inúmeras respostas são o grande trunfo do filme. Mal várias vezes disse que ele já tinha confundido o que era sonho e o que era realidade, e quando ambos sairam do "limbo", Mal tinha a ideia de que nada daquilo era realidade, e foi justamente por isso que se matou. Ou será que despertou? E Cobb ainda está preso no mundo dos sonhos?

Acredito que, qualquer que seja o final, o pião de Cobb cairá. Se tudo o que assistimos foi um sonho, então Cobb criou, dentro de seus sonhos, um nível o qual identificou como "realidade", onde seu pião cai, e os níveis dos sonhos, onde o pião não cai. Logo, mesmo sendo sonho, ele está na "realidade" de seus sonhos. Agora, se a ação realmente ocorreu, o pião cairá, porque, de fato, Cobb está na realidade. Se o pião nunca cair, Cobb logo perceberá que é sonho, e se matará para acordar, e o final não terá lógica. Então, a dúvida para Cobb é: caindo o pião, ele está nessa "realidade" que ele criou para seus sonhos, ou está, de fato, num mundo real?

Fabricio Paes Coelho 

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