Rasgando a película

A ESTRADA

 "spoilers"

Existe um certo alívio quando *A Estrada termina. Angustiante, leva os espectadores a assistirem aos extremos da ação humana, num imaginário mundo pós-apocalíptico. Conhecemos Pai e Filho, que precisam sobreviver à miséria, caos e violência em um lugar sem qualquer freio para o resto de uma sociedade. Diferente de 2012, Guerra dos mundos e outros filmes-desastres, que provocam a adrenalina e um bem-vindo alívio porque os principais personagens sobrevivem aos piores eventos, A Estrada tenta mostrar como o ser humano, de fato, agiria em um mundo completamente devastado. Jamais sabemos quais foram as razões para esse mundo ter sido destruído. Apenas vemos Pai e Filho buscarem "o litoral" porque acreditam que lá existe uma vida melhor. Mas qual é o preço que eles pagam para chegar a esse litoral?

O filho, nascido nesse mundo caótico, como qualquer criança, conserva uma inocência que o pai, desesperado, tenta eliminar, porque está gravemente doente e precisa saber que o filho sobreviverá sozinho. Viggo Mortensen se entrega nesse papel, algo próprio dele. Já apareceu lutando nu em Senhores do crime, e aqui, novamente, não hesita em mostrar um corpo feio e enfraquecido. Charlize Theron, como a ex-esposa, mesmo aparecendo como recordações, tem uma enorme importância para o filme. Um exemplo disso é a cena de seu parto. E também temos a excepcional atuação de Robert Duvall chorando em frente a uma fogueira. Não deixa de ser estranho, no meio da angústia, estamos consciente de que temos o privilégio de assistir a atuações maravilhosas.

O filme também usa uma trilha sonora bastante melancólica, que juntamente com o tom de cinza, ajudam a criar um clima (novamente) angustiante. E existem momentos de puro suspense, como quando o Pai procura alimentos em um porão vazio, e se depara com seres humanos como animais a serem abatidos. Esse é um dos piores momentos, porque Pai e Filho (e nós) somos obrigados a ouvir os gritos de pessoas sendo despedaçadas e servindo de comida para humanos canibais. 

A Estrada também nos faz percorrer um difícil caminho de questionamentos morais. Pessoas vivendo "no limite" transformam o conceito de certo e errado cada vez mais difícil de se definir. Atirar na cabeça do filho para ele não ser comido por outras pessoas, humilhar alguém para que o filh o perca sua ingenuidade, matar para sobreviver, abandonar parentes... qual é o certo nessas situações? Pai e Filho também precisam, num certo sentido, sobreviver moralmente, para que se sintam diferente dos canibais que estão fugindo, e principalmente, que se sintam Humanos. 

O filme também tem suas falhas. A propaganda da coca-cola não foi uma referência boa sobre o nosso mundo hoje. Poderia ter sido mostrado outras coisas, mas... o mais puro capitalismo? Depois, o filme quer nos convencer que um sujeito que mal consegue correr um quarteirão, faminto e doente é capaz de fazer algo tão extenuante como nadar num mar, no meio da chuva, e ainda com pesos nas costas. Porém, o maior problema do filme é seu final. O pai morre e o filme, tentando apostar na bondade inerente ao ser humano, mostra uma família que sempre esteve atrás da criança, e que agor a a adotará. O filme estaria mais bem servido se continuasse na angústia, e apenas indicasse como seria o futuro sozinho de uma criança nesse mundo tão cruel. 

É um filme triste, sujo, violento. Mas vale muito a pena.

Fabrício Paes Coelho

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*A Estrada (The Road)
Elenco: Viggo Mortensen, Robert Duvall, Charlize Theron, Kodi Smit-McPhee, Garret Dillahunt, Guy Pearce.Direção: John Hillcoat
Gênero: Drama
Duração: 112 min.